sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Rampa de lançamento

Hoje madruguei para uma viagem de comboio. Recordo a minha infância e as incontáveis vezes que acompanhei a minha mãe com o meu meio bilhete tarifado até à estação de pedras rubras. Quando lá chegávamos era só saltar para dentro de uma carrinha que num instante estacionava no aeroporto.
Sempre tive um fascínio apaixonado pelo aeroporto e tive a possibilidade de conhecer bastante bem o seu modus operandi. Foi necessário no entanto que a idade adulta desse de si, para que me enamorasse por um pequeno recanto do aeroporto: a rampa de lançamento. Esta é a expressão que escolhi para designar o átrio das chegadas, dando particular atenção ao espaço, de onde surgem subitamente os viajantes.
A zona das chegadas nunca está sozinha. Seja a que horas for, encontramos sempre alguém por lá. Mesmo em horas ausentes de tráfego aéreo, podemos lá ouvir o assobio de quem limpa o pavimento ou o deambular de alguém a fazer uma ponte aérea. Adoro quando o aeroporto está um caos. Centenas de pessoas à espera, dezenas de aviões a aterrar. Confusão total para recolher as malas e depois aquela teatrealidade a passar na alfândega. Caminhar o mais naturalmente possível, não vá o senhor agente adivinhar que trazemos mais de 30 pares de hawaianas na mala. É tempo de finalmente respirar à vontade. As portas automáticas fazem a honra de abrir e um novo mundo parece desaflorar. Em tempos de tecnologia peço ao leitor que prima o “pause” para nos concentrarmos nesta imagem. Ali está o parente desejado. Tem quase que em ponto de rebuçado, toda uma família a aguardar. É ver as crianças encavalitadas, penduradas no varão ou entretidas com uma amizade de ocasião. Ouvimos até os graúdos em traje de cerimónia, a dizer aos infantes: “aquele é que é o teu pai”, “pergunta-lhe o que te trouxe”, “corre para ela”. Rio-me sempre com estes abraços e beijos desajeitados.
Também por lá andam algumas cores de pele que não são a maioria naquele país. Têm uns trajes um pouco inadaptados e trazem sempre as maiores malas. O seu semblante mistura uma boa dose de medo, expectativas e saudade. É um cocktail de emoções que se engole em seco. Encontram por vezes família chegada, mas primos, amigos ou conhecidos, é o mais frequente. Por aqui há abraços e beijos muitos apertados, e aqui, choro invariavelmente.
Na nossa imagem ainda podemos presenciar o casamento entre passageiros e cartazes. Carne e papel numa cerimónia civil. Refiro-me às pessoas que se dirigem aos cartazes empunhados por motoristas, nos quais se pode ler um nome próprio, o nome de uma empresa ou o nome de um hotel. Também lá estão os habituées destas andanças das viagens, que rapidamente se evaporam num taxi ou no carro de um parente.
Bom, penso que podemos ficar por aqui. Mas...esperem...acabo de distinguir mais um grupo. É verdade, lá estão eles. Como me pude esquecer. Passam imensamente despercebidos nesta azáfama aeroportuária. Ali à esquerda, estão a ver? Lá está um exemplar. Uma pessoa sozinha à espera que a venham buscar. E quem a vai buscar na grande maioria das vezes não é inocente. Existem muitos atrasos provocados. “Quando, chegar, cheguei!” O mesmo verbo, dois tempos diferentes...a merda do costume diriam muitos.
Já fui todos estes passageiros. O familiar retornado, a pigmentação curiosa, o noivo do cartaz, o experiente nestas lides e o que desespera por não se lembrarem de si. A rampa de lançamento permite saborear todas estas personagens, todas estas emoções. Talvez não tivesse essa capacidade em pequeno, mas é sem dúvida daqui, que vem o meu fascínio pela aeronáutica.

1 comentário:

Alexandra disse...

Estou a ver que houve uma pausa nos textos entre 25 Jan. e 8 Fev. (ainda reminiscências de CRA, esta coisa de verificar as datas todas) - menos mal que não foi por causa deste blog que não foste a Torres no Carnaval.

Bem, mas a visita está a valer a pena! Continua!